quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Guião.

Perdoa-me a insistência, mas se ao menos conseguisses deslindar-me o olhar, o sorriso a meia haste e os punhos fechados sobre os joelhos, talvez pudesse tomá-lo como um sinal. Sinal de que devia tentar outra vez. Por favor, adivinha-me. Eu ajudo. Este olhar, o sorriso, os punhos fechados são a vontade calada que tenho de te abraçar.
Vá, repete comigo.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Bluesforsistersomeone.

Uma nova morada.



Como é óbvio, continua a ser Novembro em Paris.

sábado, 12 de setembro de 2009

Por una cabeza.

Um tango ás voltas no gramofone
e tu, em pontas, trapezista de cordas friccionadas
a equilibrares-me nos ombros, a guiares-me as pernas
em acrobacia.
Virtuosa do pizzicato das tuas curvas
desempoeiro-te os violinos
faço-me Gardel ou Piazolla
e toco-te de cor, sem maestro ou partituras
dois corpos em vibrato.



sexta-feira, 4 de setembro de 2009

A cage or the heaviest cross ever made.


morro com a mesma cara de menina travessa

como quem pede um pacto de pele post mortem

a clamar por um elogio funebre que me enalteça

a tapar os ouvidos a quem souber a verdade


ouço air ou sigur ros

com as mãos cruzadas sobre o peito

onde ainda trago esta terra fecunda

que nunca chegou a germinar


e nem sinal de flashbacks ou viagens no tempo

nem sombra de recordações em espiral

só uma luz tremeluzente a antever

uma eternidade ás escuras.


segunda-feira, 13 de julho de 2009

Promessa.


Quão implacável é a injustiça da diferença?
E falo daquela que remete o arrebatador, o que te suga até ao tutano e o comedido, que não chega para aquecer os pés no Inverno, aos graus mais extremos do antagonismo.
Quão injusto é não termos a mais leve ideia do que sentenciamos com um resfolegar, um revirar de olhos, um encolher de ombros? A forma como pegamos num copo e baloiçamos o liquido acastanhado, fazendo tilintar as pedras de gelo contra o vidro molhado. O tamburilar nervoso dos dedos sobre o tampo da mesa, de forma absorta, a fazer lembrar uma melodia de Massive Attack. A condenação á morte de um coração de compasso aflitivo, por termos pestanejado antes do tempo. A injustiça é inexorável e galopante, abate-se sobre nós em jeito de castigo e pena perpétua, e faz-nos questionar as regras do Cosmos, se é que as há, e o porquê de não nos terem concedido outra sorte.
Mais injusto que vermo-nos incendiar sozinhos, é termos uma brisa da Sibéria a fulminar o lume que teima em arder em nós.
E sim. Sei de cor as afirmações populares, os provérbios e os ditados, que garantem que o que um dia nos atinge, havemos de infligir a outrém no futuro. Também sei que há-de haver quem te ame, quem te ofereca o Universo na palma da mão e tenha uma estrela que não se sabia que existia , guardada como trunfo. Mas tenho que te avisar que como eu, não vai haver ninguém. Esfrega-me a pretensão e a falta de humildade na cara, ri-te de mim, chama-me exagerada, que eu vou anuir. Tão dramático quanto verdade. Porque os Outros, esses que estão por vir, não hão-de se chamar Teresa, nem hão-de escrever para ti á janela, de cabelo á lua, na esperança que me leves como a prenda que ficou por dar. Não hão-de revolver-te as entranhas com uma paciência oriental, para que todos os dias, sem falhar um, te lembres que existi. Não hão-de cantar á tua porta, na esperança que venhas á janela lançar-me um sorriso que venha de dentro. Daqueles, que se rasgam antes que possamos desenhá-lo, para ficar bonito numa fotografia.
O tempo, as modas, as crises financeiras e a desvalorização da moeda hão-de passar, mas a promessa que te fiz é vitalícia, não há quem desfaça.
Hás-de sentir-me a presença, de quando em vez, ao virar de uma esquina que outrora foi nossa, ao cruzares um espelho e jurares que me viste a teu lado, feita assombração centenária. Quando o mar te vier visitar num dia ensolarado, no conforto de uma cadeira de verga, a fazer planos para um futuro sem a minha assinatura.
Hás-de lembrar-te de mim.

domingo, 12 de julho de 2009

Le secret.


Violaste-me um segredo, Violante.

E ao roubá-lo, levaste um fio de pérolas e o meu diário, sem que pudesse sequer rodar-lhe o trinco. Se o leres, lembra-te que as palavras de Aimé Cesaire e Eeva-Liisa Manner não são as minhas, mas que quem tas escreve sou eu.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Bausch.



“Uma monja com um gelado, uma santa com patins, um rosto de rainha no exílio, de fundadora de ordem religiosa, de juíza de um tribunal metafísico, que de repente nos pisca o olho.”

Fellini, sobre Pina Bausch, a quem deu um papel no seu filme "Navio".

terça-feira, 30 de junho de 2009

AdVerso.



Antes não tivesse sido doce.



Não tinhas decifrado o enigma


Os medos, as falhas e o travo doce que pode ter um limão


Os teus olhos arregalados e as tuas bochechas ruborizadas não falavam de mim á tua mãe



E as circunferências invisiveis que os meus olhos traçam quando minto, não as tinhas conhecido.



Nunca tinhas arqueado os braços desajeitadamente durante as nossas aulas de ballet


Nem permitido que eu te beijasse a fronte, antevendo a maresia dos teus olhos.


Jamais terias prendido os teus braços á volta da minha cintura, como tentáculos, quando é da cama que me recebes


Ou enterrado em mim um punhado de pérolas num quarto da capital, de olhos selados pela saliva.




Se assim fosse


Nunca tinha beijado o mapa astral que trazes na pele


Nem escolhido estas palavras a pensar em ti


As que te farão sorrir e, se não for pedir muito, as que te farão chorar.


Certamente que nunca tinha conhecido as pregas dos teus lábios, o ângulo dos teus ombros e o teu medo de aranhas


Nem recebido de olhos vendados as tuas conchas milenares.


Quanto ás promessas e á crença,



Continuariam a fazer parte do domínio da ficção



Como este sussurro de eternidade que teimamos em querer ouvir.




Chama-me o que quiseres


Mas se não tivesse sido doce


Esta ausência não pesava mil toneladas nos meus ombros


O meu lugar não estava vazio na tua cama


E nós não andávamos a arriscar o adeus para sempre.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Ardeu.


Esta dor é diabólica
Faz mossa e abre feridas
Nem com alcóol etílico lá vai.

Juntar-lhe um fósforo aceso.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Cálice.


Encontrei-te e, sem mais nem porquê, eu era outra. Continuava a querer sempre tudo agora, já, ala que se faz tarde, mas tu ias-me ensinando a fazer paciências e a aceitar o tempo, clepsidras e ampulhetas esquecidas. No entanto, não havia meio de domar este amor à velocidade da luz, que me deixava manca e ofegante antes mesmo de chegar à meta. Queria ter-te tido antes, quando ainda eramos crianças, beijos de mentol à sombra de uma árvore e ramos de flores bravas entre as mãos. Queria ter contado estrelas a teu lado, em cima do capô de um carro roubado, numa das nossas primeiras incursões lado a lado. Entre cores e rubores, ter-te amado à pressa, com urgência, em pleno canavial, medos e desejos de mãos dadas, saias e mangas arregaçadas. E a meio de uma aula, ter-te escrito juras de amor na palma da mão, sob o olhar absorto de uma professora de português à beira da reforma. Desejava que me tivesses feito um filho à primeira, obra de tanto querer ou do Espírito Santo, não interessa, e que o parisses comigo, em perfeito encaixe, o prematuro a romper-nos ás duas. Para que depois, sem pestanejar, nos presenteássemos com cama, casa e roupa lavada para o resto da vida.

A verdade é que te encontrei e, sem mais nem porquê, eu era outra. Devolveste-me a crença incondicional nesse malfadado Amor, sobre quem já ouvi dizer cobras e lagartos mas que, agora, me surge como o supremo desenlace de qualquer discórdia. Posso até assegurar-te que é o Amor que te tenho, esta força bruta e catalisadora, o maior responsável pelo equilíbrio do Universo, pelo fim das guerras milenares e pelo pulsar compassado da Humanidade, resistente a qualquer agrura, só porque existes.

terça-feira, 31 de março de 2009

Passé Simple.


É fodido andar assim, a viver pela metade, fingir que somos alguém que merece ser ouvido, um poço de palavras bonitas e curiosidades, quando só nos assalta a concordância do verbo "avoir", no presente do indicativo, olhar-me ao espelho e procurar o brilhozinho do 'antigamente', quando já só me resta recorrer ao eye-liner barato da loja dos chineses, encontrar-te a meio caminho e tomar-me das tuas dores, pôr as minhas de parte porque é mais fácil, dá menos que pensar e acabo a parecer uma tipa digna de confiança, forçar uma bebedeira numa festa, os olhos turvos e as beiças inchadas, feita puta barata, a ver se alguém me toma num canto e me lambe as feridas, dá-me o teu número e pode ser que nos voltemos a encontrar, quando tu estiveres só e eu sozinha estiver, em qualquer rua escura ou no banco do carro que ainda andas a pagar, mulher a arder de novo, é o que sou, quando não me ligas, não me atendes, e me apetece quebrar-me em estilhaços como este espelho, arrancar cabelos, cortar-me ás postas, fazer trinta por uma linha, regressar á escola francesa e pedir que me aceitem nas turmas precoces, que me ensinem a cantar o "frère jacques, frère jacques, dormez-vous?", que me deixem dormir a sesta e almoçar na cantina tudo até ao fim, "quem deixar no prato, não se levanta", percorrer o jardim de inverno da escola de ballet, de sabrinas nos pés e puxo arrepelado, de cor-de-rosa, azul ou vermelho, com o piano a acompanhar numa sinfonia de Tchaikovsky, a vara a marcar compasso e o reflexo no espelho dos projectos de bailarina, sentar-me á chinês nas bancadas do liceu, a fumar os primeiros cigarros, a roer as unhas e a mastigar verniz, a olhar-lhes as curvas e a tolher vontades, a partilhar sonhos e aventuras atrás do pavilhão, voltar áquele dia mal-fadado e trocar-lhe as voltas, trazer-te comigo, mais o pleasures da estee lauder e as essencias dos teus cosméticos, que me trazem um cheiro almiscarado que nao se reproduz, raptar-te e guardar-te na algibeira, contígua dos caramelos e dos trocos que me davas para um sorvete no jardim, ser tão actriz como em sonhos de infância e perpetuar a peça pela vida fora, aplausos em uníssono e elogios sussurrados em espanto, a comer mel no camarim e a aclarar a garganta ao som da Maria Callas, fosse eu como ela, esbarrar-me contigo, a fingir-me distraída e absorta e a achar-te adorável, com esse jeito meio chic mas ordinário, e eu a apoderar-me de um cigarro arrogante, cheque-mate neste jogo de sedução, e a achar que se estivesse nos meus trinta e poucos é que era, que aos vinte ninguém é levado a sério, sentar-me numa cadeira com vista para o mar, tentar lembrar-me do que é ser-se genuíno e acabar a encenar outra simulação, outra didascália a que me obrigo, nao vá eu constatar que afinal nao valho um tostão furado e a singularidade já não mora aqui, apagar o cigarro com o sapato, á luz de um lampião, a cabeça num rodopio de memórias e desejos secretos, o vento a cortar-me a pele e os lábios gretados pelo frio, dar por mim sozinha no sepulcro da noite e fingir que é fácil ir morrendo.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Subjectum Juris.

Eu não estava bem, sublinho. Continuava a ser assaltada por uma tristeza mortificante, que me obrigava a fechar os estores e a deitar-me no chão. Nessas horas horizontais, e só nessas horas, desenhavam-se á minha frente mil e um cenários de ressurreição, vistos á luz de um caleidoscópio, que só se esfumavam quando a porta se entreabria. Tu entravas, derramavas a tua complacência sobre mim, esfregavas-me as nódoas do vestido, levavas-me a colher á boca e findavas com uma palmadinha nas costas, um afago no cabelo, "melhor assim, não?". Eu ensaiava um sorriso, fingia 'sensibilidade e bom senso', expectando um embalo até adormecer , encolhida no teu colo. Tu esquivavas-te ao abraço, sacudias a roupa e fechavas a porta atrás de ti, sem hesitações. E era assim, nesse gesto impensado, que sentenciavas os restantes dias á mesma rotina; expectativas logradas, esperança em pó no cinzeiro. Efabulava, enquanto mordia os dedos ou raspava as unhas no soalho, mil e uma formas de auto-extinção, qual ressurreição qual quê. E, nesse campo, a imaginação tinha limites extensos. Engolia um par de meias e morria por sufocação, de lábios pintados, a constrastar com a cianose. Cobria o corpo com gasolina e ateava-lhe o fogo, fazendo jus á conotação primeva de purificador, que este tinha. Aspirava uma folha de ouro, mergulhava o secador de cabelo no meu banho de imersão, ou suspendia o corpo em ponto fixo, por meio do laço que constringe o pescoço, a esboçar um sorriso. Já as meias estavam dobradas, os fósforos á mão, o secador ligado e a corda ao dependuro, e tu fazias-te notar.
Entravas, derramavas a tua complacência sobre mim, esfregavas-me as nódoas do vestido, levavas-me a colher á boca e findavas com uma palmadinha nas costas, um afago no cabelo, "melhor assim, não?".

domingo, 1 de março de 2009

Últim(o)acto.


Let's put things straight.

E antes que te convencas do contrário, deixa-me dizer que não sou uma principiante nestas coisas do amor. Os meus vinte anos são tenros e cheiram a leite, mas levam ás costas outros tantos de batalhas até á morte e duelos de titãs. Este jogo do silêncio e dos travões a derrapar no gelo , já eu o fiz há muito tempo, sem armaduras nem capacetes, chagas feitas corpo. Este braço-de-ferro cordial, de irritações mudas e conversas ofendidas, é-me tão familiar como o afecto a meio-gás que proporciona. Uma festa, mas só ás vezes. Um abraço quando for conveniente. Um beijo aqui e ali, a ter a certeza que é bem-vindo e não deixa mácula, cuidado que alguém vê. Todas as estratégias de não-fazer e não-dizer, já eu pus em prática mil vezes, ensaiadas e estudadas ao pormenor, dissecadas em frente ao espelho. Não matam, mas vao moendo, até reduzirem a pó o gineceu de qualquer flor, por mais que esta queira vingar. Como te disse, eu não sou principiante nestas coisas do amor. Palavras ácidas e díficeis, como-as eu ao pequeno-almoço, de cara lavada e sorriso no rosto, costas prontas para o açoite verbal.
Na verdade, sou é meia-mulher meio-bicho, uma fera ferida como dizia o outro, que morre de medo de outra surra.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Proibido.


Sua puta, dizias tu, entre dentes. De punhos cerrados sobre a mesa, reviravas os olhos em tom de desaprovação, enquanto me vias vestir. Não vais sair. Não deixo. E voltavas a morder os lábios, chamando a eles o vermelho das tuas bochechas ruborizadas, enquanto passavas a mão trémula pelo cabelo. Não pude conter um leve sorriso quando, através do espelho, te vi inclinares-te sobre a mesa e abrires a camisa, nervosa, deixando á mostra um peito onde ainda se viam marcas do meu batón. Fica. Não precisas de ir. Por favor. E eu continuava o jogo do desentendimento e da falta de vontade forjada, abotoando o vestido, pintando os lábios, penteando o cabelo, como se de uma dança ensaiada se tratasse. Agarraste-me o pescoço e mordeste-me o ombro como um animal com o cio. Fica, caralho. Gargalhei por ainda te deixar assim, desenfreada, com o sangue a fervilhar, sem qualquer esforço. Entreguei-me de olhos abertos, morta por apreciar a tua expressão de satisfação e alívio, como um cão ao qual se dá um osso.

Quem me dera que isto não fosse só obra da minha mente descompensada e das horas que passo na cama, sem dormir, a sonhar contigo.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Demoras?

Se eu pudesse, escrever-te-ia um poema tão bonito como o último olhar que me lançaste, antes de fazeres aquela curva em marcha lenta.