terça-feira, 23 de setembro de 2008

She will kill herself with poison.



She will kill herself with poison. E o segredo estará na forma como segurou a saia, enquanto dançava ao som de uma qualquer melodia que ouviu, algures na Rua do Almada. Nas chavenás de leite que bebeu encostada á ombreira da porta, de olhos postos no futuro, enquanto a poção lhe aquecia a garganta e, dentro de si, crescia a vontade de emancipação. No cheiro a mofo do papel de parede de uma avó, que insistia nas flores e em acompanhar as tardes soalheiras com mel e bolo de iogurte. Nos saltos quase sempre sincronizados, de meia dúzia de almas curiosas e afoitas, com tinta nos sapatos e as caras cobertas de purpurina. No pôr-do-sol dos pés enterrados na areia, com o vento a arranhar-nos a pele, e os olhos salgados como o mar que nos convida a entrar. She will kill herself with poison. E o segredo estará escondido numa caixa de cartão,gravado num papel bolorento que se rasgou de um diário de viagem. Nas costas marcadas de quem travou batalhas e criou tragédias, nas quais sempre quis usurpar para si o papel de Herói.
Esquecendo-se , no entanto, que em tempo de tragédia, o Herói acaba sempre sepultado.

She will kill herself with poison.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Previsão.


O golpe no peito, de punhal em riste, deu-se devagar e subtilmente. Forte o suficiente para sangrar o Coração e destruir a aorta, incapacitando-me para a vida. O toráx rasgou-se como se já tivesse sido dilacerado previamente, pela tua falta de atenção e entendimento. Pelos silêncios, no elevador que dizimou os sonhos ingénuos de intimidade que a minha alma criou, como se lhe faltasse energia. Pelas batalhas e guerras travadas em nome da alegria póstuma, que nunca veio. Pelas idas e voltas do nada para o nada, de olhos postos no tecto de um transporte velho e bolorento, sem qualquer sorriso teu guardado no bolso. Pelas lágrimas ao colo de uma mãe Maria, progenitora de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres. Também meu e também teu. Eventualmente Criador do lugar vazio na plateia que é a minha vida, cujo espaço tentei desesperadamente preencher. Eventualmente perpetrador do crime que teve lugar na minha pele, no orgão maestro deste frágil organismo, nas mãos roídas pela ansiedade , estimuladas pela saliva da saudade, amputadas pela ausência do teu toque.
Pela dor de te ter reservado este pedaço de chão, como catedral do que sinto , e saber que não voltas.